O modelo usado para descrever a evolução dos riscos financeiros ao longo do ciclo de capitalização da firma – do capital inicial ao IPO – que é hoje a bíblia dos fundos de venture capital e private equity, é ilustrado no gráfico abaixo. A estória estilizada contada no gráfico define estágios na trajetória de vida das empresas bem-sucedidas e explica a alta mortalidade de startups como resultante de possível indisponibilidade de capital de risco na fase inicial, de maior risco – o chamado Vale da Morte – que precede a de crescimento rápido de valor para as que conseguem sobreviver a ele. Vejamos como.
A história de uma firma de sucesso começa quando, munido apenas de um CV de peso e um business plan inovador, o fundador financia um teste de conceito da oportunidade de negócio com capital próprio ou usando uma limitada oferta de “capital semente”. Depois, nos casos de sucesso, entra-se na segunda fase, de alto crescimento potencial, onde o objetivo é atrair fontes institucionalizadas de capital de risco, como os fundos de venture capital e private equity, cuja oferta depende da perspectiva real de queda de risco com o aumento de receita e do lucro operacional da startup. Finalmente, na fase final, vem o prêmio que consolida o sucesso e garante capitalização adequada a longo-prazo e pereniza a empresa – o IPO – com a venda de ações em mercados líquidos e profundos.
Entretanto, a vida da empresa em seus estágios iniciais, não é vivida sem riscos. De fato, o risco pode ficar crítico no vale da morte quando ainda não aconteceu a transição à geração líquida de caixa no tempo planejado e já se enfrenta crescentes requisitos de investimento para cumprir o plano de negócios, que vão além do patrimônio e/ou do apetite de risco dos fundadores e seus investidores iniciais. É ai que perece a vasta maioria das empresas nascentes. Entretanto, as que atravessam o vale da morte têm seu caminho em princípio pavimentado para a fase de alto crescimento de valor e acesso aos mercados líquidos de capital.
Este modelo foi desenvolvido pensando-se nas startups modernas de base em TI ou outras tecnologias inovadoras, que guardam apenas semelhança parcial com outro importante tipo de empresa nascente: os projetos de transição ao baixo carbono que em geral ocorrerão em mercados regulados, ou em áreas pioneiras de energia verde ainda em processo de regulação, da eólica offshore ao hidrogênio, na restauração de florestas e outras. O modelo acima considera apenas riscos de mercado, como os riscos do negócio e os macroeconômicos. Projetos que operam em ambientes regulados, por outro lado, além de enfrentarem esses riscos, tem a especificidade de terem a despesa de investimento concentrada no tempo e tomada somente a partir de uma decisão de investimento final em tempo incerto porque depende de licenciamentos e, na maioria das vezes, de outras decisões de reguladores que afetam as projeções do fluxo de receita líquida.
No ambiente de incerteza regulatória do Brasil, o ‘vale da morte’ dos projetos regulados é de duração incerta.
De fato, se fossemos ilustrar graficamente o vale da morte para estes projetos teríamos que redefinir a segunda fase do gráfico original, que estaria entre a fase inicial de gasto financiado pelo capital próprio dos developers de projetos – atores semelhantes aos founders das startups – e a terceira fase que, nos projetos regulados, envolve a chamada Final Investment Decision (FID), a grande despesa de capital feita em geral por uma empresa operadora para a construção do projeto, tomada somente
anos depois do início do projeto quando se finaliza um grande conjunto de contratos de EPC, off-take, financiamento, e outros. É nessa fase intermediária em que está o vale da morte para os projetos regulados, onde os empreendedores ainda têm que financiar altas despesas no detalhamento do projeto do qual depende a atração do investidor final e a FID.
Entretanto, ao contrário das startups, que geram receita a partir de seu primeiro cliente e tem apenas que entregar o crescimento de mercado e
margens operacionais projetados, gerenciando seu risco quase que continuamente, esses projetos não têm rentabilidade projetável até os reguladores definirem parâmetros básicos do fluxo de investimento e receita líquida. Ou seja, no tradicional ambiente de incerteza regulatória do Brasil, o vale da morte dos projetos regulados é de duração incerta, aumentando substancialmente os riscos do projeto.
As consequências disso para os empresários brasileiros engajados nos estratégicos projetos de impacto ambiental não devem ser minimizadas. Primeiro, porque a incerteza e desmoralização dos processos regulatórios no Brasil se somam à nossa crônica instabilidade macroeconômica para desestimular o empreendedorismo dos developers brasileiros, firmas de alta base técnica que convém preservar, e o interesse de fundos de investimento, players que poderiam ser fundamentais para o financiamento do projeto.
Segundo porque gera expedientes corruptos para contornar frequentes impasses burocráticos nos reguladores. Terceiro, e talvez mais importante em projetos de infraestrutura, porque a demora leva a FIDs apressadas, tomadas ainda com riscos contingentes a eventos regulatórios futuros, gerando a necessidade de reequilíbrios econômico-financeiros posteriores com o poder concedente que, quando impossíveis, geram trocas de controle nas restruturações, em grande parte com desnacionalização e perdas de capital dos investidores originais.
Por isso, em uma hora em que o próximo governo, seja ele qual for, terá que regular novos setores e criar incentivos financeiros e mercados de
créditos de carbono para incentivar um grande ciclo de investimentos para a transição ao baixo carbono, a boa regulação da infraestrutura e a coordenação de políticas relacionadas a estes investimentos deve ser uma prioridade.
Winston Fritsch é empresário e professor, conselheiro emérito e especialista do Núcleo de Meio Ambiente e Mudança do Clima do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), Senior Advisor do CPI (Climate Policy Initiative) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o Plano Real.
Artigo originalmente publicado no Valor Econômico no dia 10/10/2022 aqui.
O “vale da morte” na transição ao baixo carbono was originally published in economialimpa on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.