O chamado Summit por um Novo Pacto Financeiro Global, realizado
recentemente em Paris, ao qual compareceram líderes de mais de 40
países, incluindo uma amostra de peso de países em desenvolvimento,
como China, Índia, Brasil e África do Sul — o Summit de Macron, como foi
chamado pela imprensa internacional — não foi, como o nome sugere,
uma conferência cujo objetivo principal fosse reformar o sistema
financeiro multilateral. Foi, como dizia a convocatória da cimeira, uma
conferência organizada com o objetivo de “aumentar a solidariedade
financeira com o Sul para endereçar a mudança do clima e a crise global”.
Nesse sentido, a cúpula era aparentemente movida por um imperativo
moral: os países ricos, responsáveis por terem emitido 70% do
equivalente em CO2 dos gases de efeito estufa existente na atmosfera
não podem se negar a ajudar a proteger pequenos Estados insulares
contra o possível aumento do nível do mar ou os países mais pobres dos
efeitos financeiros de catástrofes climáticas. Mas também era movida
por um motivo prático: as economias em desenvolvimento emitem hoje
nada menos do que 63% do fluxo global e essa percentagem tende a
crescer. É consenso entre especialistas que será inevitável uma catástrofe
climática global se a convergência da renda per capita desses países para
s níveis dos países desenvolvidos for feita sem os investimentos
necessários para a transição ao baixo carbono, como aconteceu na
China.
Entretanto, mobilizar capital para essa transformação não é tarefa fácil.
Os investimentos necessários para os países em desenvolvimento
atingirem as metas do Acordo de Paris são estimados, excetuando-se a
China, em nada menos do que US$ 2,6 trilhões anuais na fase mais
crítica até 2030. Apenas uns 10% disso seriam necessários para
investimentos de adaptação dos países mais vulneráveis a catástrofes
climáticas ou em outros projetos de baixo retorno privado. Para esses
projetos, os recursos externos necessários seriam provenientes de
agencias oficiais ou multilaterais e de ajuda internacional e
aparentemente nisso o Summit esboçou algumas propostas concretas.
É importante trazer o setor financeiro privado dos países desenvolvidos para a mesa. Estima-se que 60% do total dos investimentos deverá ter origem privada, o que não surpreende pois, nos países ricos, cerca de 80% do investimento verde tem origem privada.
Entretanto, o grosso do US$ 2,6 trilhões será demandado por projetos
rentáveis, de transição energética e descarbonização e cerca de metade
disso terá que vir de investimentos externos. Para isso é necessário
ampliar os mandatos e o capital das instituições financeiras multilaterais,
mas muito mais importante será trazer o setor financeiro privado dos
países desenvolvidos para a mesa. Estima-se que 60% do total dos
investimentos nesses projetos deverá ter origem privada, o que não
surpreende pois, nos países ricos, cerca de 80% do investimento verde
tem origem privada, já que a transição ao baixo carbono é uma
oportunidade de investimento.
Por isso, na preparação para a recente Cimeira de Paris, uma proposta
feita por Avinash Persaud — financista, professor e assessor especial de
Mia Mottley, primeira ministra de Barbados que teve participação ativa
na organização do Summit — recebeu grande atenção da imprensa
financeira. A análise de Persaud sugere que os altos e cíclicos custos de
cobertura de risco (hedge) cambial, cobrados para financiamento de
projetos em países emergentes pelos bancos internacionais, derivam de
uma miopia do mercado internacional de capitais, que amplifica
desproporcionalmente o impacto de estresses financeiros correntes na
avaliação do risco de longo prazo.
Essa distorção explicaria porque um projeto no Brasil, com taxa interna
de retorno equivalente ao de um projeto, digamos, europeu, se torne
altamente não competitivo por ter um custo de financiamento com
hedge cambial vários pontos de percentagem superior ao do projeto
europeu em tempos de estresse financeiro, inviabilizando a realização
das vantagens comparativas dos países emergentes.
O ponto é válido e conhecido por todos com experiência no
financiamento e projetos de porte no Brasil. Mas agora, motivado pela
importância de acelerar a transferência de capital privado para projetos
de transição ao baixo carbono em países emergentes, a proposta
circulada em Paris propõe a criação de um fundo de garantia gerido
conjuntamente pelo Banco Mundial e pelo setor financeiro privado para
reduzir a parte do diferencial de custo de capital criado pelo custo do
hedge cambial de longo prazo para projetos de impacto climático. De
fato, Ajay Banga, presidente do Banco Mundial e Mark Carney, líder do
setor financeiro privado nas COPs desde Glasgow, deram longa
entrevista durante a cúpula de Paris anunciando a intenção de estudar
com urgência a implementação de um mecanismo deste tipo.
Uma notícia positiva, é que o fundo terá que cobrir apenas o risco
cambial de uma fração das necessidades de financiamento externo dos
projetos de impacto, por dois motivos. Primeiro, porque grande parte
desses projetos será voltada para a produção de bens exportáveis –
energia verde integrada a hidrogênio verde ou seus usos são talvez os
exemplos mais relevantes em termos de volume — e projetos deste tipo
tem um hedge natural, pois o grosso de suas receitas é denominado em
dólares.
Segundo, porque os projetos de impacto em bens não comercializáveis
terão parte relevante de sua receita em crédito de carbono, que é um
bem negociável com preço indexado ao dólar e que poderia ser usado
em conta garantia para minimizar a demanda por recursos do fundo.
Portanto, não será necessária enorme quantidade de capital paciente
para desenhar-se o mecanismo de constituição dessas garantias.
Entretanto, como sempre, o diabo está nos detalhes e alguns cuidados
deverão ser tomados na operação de um instrumento como esse.
Embora haja de fato um custo excessivo na precificação do hedge de
longo prazo e o suporte de um fundo de garantia do tipo sugerido por
Persaud poderia reduzir parte do custo de capital para projetos no Brasil,
0 alto prêmio de risco de longo prazo do país — que explica parte
relevante do alto custo de empréstimos longos para o Brasil — não existe
num vácuo. Ele é função de nossa atual classificação de risco de crédito
que reflete percepções sobre a qualidade das erráticas políticas fiscais e
monetárias domésticas na última década.
Assim, no projeto do mecanismo, certamente vaí se tomar cuidado em
responder a críticas de que o fundo funcionará como um desincentivo
para a adoção de boas políticas, e alguns indicadores de performance
devam ser introduzidos como condição para o acesso continuado a essas
garantias. Isto não seria de todo mau. Talvez ajude a colocar mais um
incentivo para o governo Lula, que claramente prioriza o ataque à crise
climática, perseguir também o equilíbrio fiscal de longo prazo e o retorno
o grau de investimento como facilitador fundamental da transição ao
baixo carbono.
Winston Fritsch é PhD em Economia pela Universidade de
Cambridge, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da
Fazenda, Conselheiro Emérito do Cebri.
Artigo originalmente publicado no Valor Econômico no dia 11/07/2023 aqui.
O legado da cúpula de Macron was originally published in economialimpa on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.