Há quem tente personificar a responsabilidade por essa virada de chave em gestores de fundos, em ativistas, mas a verdade reside na mudança do comportamento do consumidor.
Estamos cada vez mais antenados sobre a nossa responsabilidade sobre o que consumimos.
E à medida em que avaliamos, em critérios sociais e ambientais, os produtos e serviços que adquirimos, avançamos na pressão sobre marcas, empresas, setores e governos para com o impacto de suas atividades.
Será pauta global em 2022 a redução da nossa pegada de carbono.
Sim, o carbono. A síntese sobre todos os 6 principais gases causadores de efeito estufa no nosso maior vilão, ao menos em volume: o dióxido de carbono.
Ele, que é proveniente não só da queima de combustíveis fósseis, mas principalmente, da nossa necessidade cada vez maior por energia.
O carbono virou um inimigo comum a todos. É vigiado desde a década de 1970 e demorou décadas para ser mensurado, avaliado pela ciência e transformado em meta de redução global pelo Acordo de Paris: não podemos aumentar a temperatura média da Terra em 1,5ºC com base no período pré-industrial.
Acontece que em qualquer cenário — dos alvos e promessas estabelecidas, das políticas atuais e das metas mais otimistas, não vamos salvar o planeta.
Em 2020, já atingimos 1,1ºC e, considerando a meta de neutralidade em 2050 e o crescimento econômico e populacional esperado para o período, será preciso o investimento de USD 275 trilhões, segundo a consultoria McKinsey.
Vou repetir: USD 275 trilhões precisarão migrar de uma economia suja para uma economia limpa para atingirmos as metas e, ainda que parte disso não seja feita, será de qualquer forma, a maior movimentação de capitais da história da raça humana.
Um montante de dinheiro que, pelos próximos 30 anos, será destinado à melhoria das nossas fontes de energia e em estruturas de captura de carbono.
E é aqui que entra o Brasil — se, claro, fizer a sua parte. Mas é aí que mora o problema.
Os dados oficiais nos colocam em 6º lugar no ranking dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, emitindo cerca de 3,2% do total mundial e integramos o G20, grupo de países responsáveis por 78% das emissões globais.
Em 2020, enquanto o mundo retraiu em 5% suas emissões por conta da redução da atividade econômica causada pela pandemia, o Brasil aumentou em 9,5% suas emissões, em sua maioria originadas da queima de florestas nativas e mudança de uso de solo.
Isso por si só já mostra o absurdo contra senso que vivemos: enquanto o mundo quer compensar suas emissões financiando a manutenção de florestas em pé, projetos de conservação, reflorestamento e manejo sustentável em países em desenvolvimento como o nosso, estamos por décadas negligenciando um ativo que, regulado, tem um potencial de USD 100 bilhões em divisas para o país e principalmente, a manutenção e recuperação do ecossistema ambiental brasileiro.
71 países do mundo já trabalham ou já implantaram suas regulamentações para entrarem ao mercado global de carbono e aqui, em que pese as movimentações do Legislativo, sabemos que essa é uma pauta cujo interesse do poder Executivo é fundamental para que saia do papel.
Mas é preciso dizer que regulamentar o mercado nacional de carbono é só um dos passos para isso, já que a demanda interna é baixa em relação ao potencial nacional de redução de emissões e captura de carbono.
Existem várias outras estruturas que precisam ser criadas, além de claro, do país cumprir as próprias metas de descarbonização para aí sim, poder exportar créditos de carbono para mercados regulados, com alto valor agregado.
Enquanto isso, assistimos um franco crescimento dos mercados voluntários de carbono, que corroboram para o que já foi dito aqui: o consumidor não quer para si a pegada de carbono e tem buscado pressionar marcas e empresas em torno de impactos ambientais positivos e, enquanto isso, busca medidas compensatórias dadas pela iniciativa privada, que mostra que a economia de baixo carbono é um caminho sem volta.
Mas ainda que essas iniciativas colaborem principalmente para a sensibilização e educação da sociedade, a redução das emissões nacionais de gases de efeito estufa precisam passar obrigatoriamente por 3 grandes agendas: as cidades, a agricultura e a indústria.
As cidades, porque elas influenciam todos os sistemas: transporte, gestão de resíduos, consumo de energia, uso de solo e de água, origem dos alimentos e principalmente, a educação das pessoas.
O problema: falta um plano de ação nacional de enfrentamento à crise climática que apoiem as cidades com recursos e caminhos necessários para a sua própria transição energética e controles ambientais efetivos.
A agricultura, por ser responsável por 50% das emissões nacionais de gases de efeito estufa, por mal uso do solo, supressão e queimadas de florestas.
Qual o desafio: transformar floresta em pé em um ativo mais lucrativo que pasto ou cultura, em um mundo ávido por fazer suas compensações por aqui. Mas as regras atuais que são discutidas vem com a tentativa de fazer sobre as próprias regras do setor, que fundamentalmente defendem o status quo e por óbvio, são ineficientes.
E por fim, a indústria. Em que pese que o Brasil é um país com baixo nível de industrialização, nossa matriz é muito suja.
O caminho está na substituição de combustíveis fósseis como fonte primária de energia e a criação de uma nova cadeia de valor descarbonizada, mas que se for feita de maneira abrupta e desordenada, levará milhares de brasileiros para a linha da pobreza.
Por mais urgente que seja o enfrentamento às mudanças climáticas, precisamos criar uma visão de transição ordenada e promover a redução consistente de nossa pegada de carbono, promovendo crescimento econômico, inclusão social e sustentabilidade como em um tripé, combatendo seus eventuais impactos negativos do sistema desta nova economia.
Precisamos evitar um colapso social que pode ser maior que qualquer benefício climático.
Neste cenário, temos o estado do Espirito Santo. Este que é, infelizmente, um dos maiores vilões das emissões de gases de efeito estufa nacionais.
Dada nossa posição geográfica privilegiada, somos um dos principais canais de escoamento de minério de ferro para o mundo. Para isso, temos o maior parque de pelotização do planeta que, somados todos os seus escopos de emissão, são responsáveis por até 600 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano em Camburi, na praia da capital Vitória.
Temos ainda uma siderúrgica que contribui com pelo menos mais 12 milhões de toneladas de CO2 por ano e mais quatro usinas de pelotização a caminho, na retomada da Samarco.
Ainda assim, somos um Estado dentro da federação com uma das maiores maturidades florestais, com programas de reflorestamento reconhecidos mundialmente.
Temos ainda um ambiente institucional bastante favorável, um ambiente de inovação em franco desenvolvimento e com a agenda ESG na pauta das principais lideranças empresariais.
E por fim, uma população impactada há décadas com nosso “pó preto”, que está em vias de se tornar, por mais incrível que possa parecer, um vilão de segunda linha, se comparado ao carbono e ao ritmo acelerado de conscientização da população.
E por termos os maiores poluidores nacionais, temos dinheiro na mesa: seus consumidores internacionais querem a commodity, mas não querem o carbono — e vão precisar correr contra o tempo.
O Espírito Santo precisa aproveitar esta conjunção de fatores e se tornar um laboratório de descarbonização do Brasil.
É a nossa chance de mudar nossa matriz econômica para a tecnologia. É a oportunidade de criarmos riqueza dentro da nossa maior ameaça.
É o momento em que a academia, o mercado, as empresas poluidoras e suas cadeias de valor, as startups, a sociedade civil organizada e os governos precisam agir e fazer do vilão, uma chance de promoção econômica, de inclusão social e por óbvio, de sustentabilidade ambiental.
É hora de aproveitarmos e migrarmos a sociedade capixaba para uma economia limpa, e a partir daqui, inspirar todo o Brasil.
O futuro do Espírito Santo na economia de baixo carbono was originally published in economialimpa on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.