O Mercado Voluntário de Carbono, conhecido internacionalmente pela sigla em inglês VCM. É, basicamente, uma rede de transações não oficialmente regulada, que tem sido crescentemente usada para incentivar investimentos em projetos de restauração e preservação de florestas. Ele emergiu como uma resposta positiva de mercado à falta de soluções efetivas por compensação para a mitigação de emissões de carbono e vem crescendo bem mais que os fragmentados mercados oficialmente regulados de créditos de carbono.
A base do funcionamento deste mercado “autorregulado” é a credibilidade — ou, como se diz no jargão anglicizado do ramo, a “integridade” — das estimativas e certificação dos volumes de carbono sequestrado que geram os créditos transacionados. Esta integridade é garantida por instituições sem fins lucrativos que albergam os standards e empresas certificadoras privadas e, na prática, a emissão dos créditos, especialmente em projetos florestais, requer abordagem metodológica complexa e modelos de construção técnica que ainda necessitam de maior eficiência para permitir sua real escalabilidade.
É tempo de dar um passo no caminho de um novo protagonismo na proteção tempestiva da Amazônia.
De fato, os problemas do VCM – baseado em projetos privados – como solução para o financiamento da conservação de grandes remanescentes florestais são intransponíveis por sua incapacidade de escalar na dimensão e na urgência necessárias. Especialmente porque nessas áreas gigantescas, como a Amazônia, a propriedade da terra tem o poder público como agente dominante em grande parte dos remanescentes não destinados. Acrescente-se a esse quadro, sérios problemas de identificação de direitos fundiários privados e os desafios associados à regularização fundiária de terras públicas ocupadas na ausência de políticas públicas mais efetivas, que elevam o risco de integridade pela ausência de segurança jurídica dos títulos emitidos. Nesse contexto, não faz sentido pensar-se em um papel mais que marginal para projetos executados e financiados pelo setor privado, pelos riscos e o tempo de implementação envolvidos.
Portanto, em nossa opinião, uma solução robusta e efetiva para a proteção da floresta amazônica passa por um esquema de financiamento público em escala com compliance garantida, em última instância, pelo governo federal. Este esboço da ideia de mecanismo “jurisdicional” de financiamento admite várias estruturações para torná-lo financeiramente eficiente e otimizar regras de governança do órgão gestor, devendo ser objeto de estudo aprofundado.
O mecanismo poderia, por exemplo, ser uma “credit facility” na forma de um fundo criado com captação a baixo custo feita por um green bond estruturado, gerido, e com a responsabilidade da conformidade com as regras de preservação pactuadas na emissão do bond sendo, em última instância, do governo federal. A estrutura poderia se basear em requisitos de desempenho no atingimento de compromissos climáticos assumidos pelo governo para reduzir o custo de captação, como a dos chamados SMBs soberanos – bônus de custo financeiro ligado a performance de sustentabilidade nacional em relação aos seus compromissos assumidos no Acordo de Paris, emitidos recentemente pelo Chile e pelo Uruguai em grande volume e com certo sucesso. E seu custo de repasse para usos prioritários poderia ser reduzido pela adição de fontes adicionais, inclusive tributárias ou filantrópicas, a esse mecanismo de financiamento em mercado.
Entretanto, independentemente da estrutura financeira ótima, o importante é que o foco central do uso dos fundos seja financiar a proteção urgente das terras públicas da Amazônia, acelerando a captação de recursos para a proteção da floresta muito além do possível com mecanismos do VCM.
O acesso à facility poderia depois ser estendido a outros biomas com áreas protegidas públicas federais, ou para repasse para Estados e municípios que quisessem se submeter às mesmas regras pactuadas no green bond para suas terras públicas na Amazônia, ou mesmo em biomas não amazônicos em suas jurisdições.
Trocando em miúdos, estes recursos baratos seriam usados para proteger florestas sob controle sério de compliance com objetivos mensuráveis feito por uma autoridade federal, em conjunto com os agentes provedores de recursos. E, claro, seria necessário estendê-la ao resto das imensas terras de propriedade privada na Amazônia legal usando outras estruturas e com o apoio do Novo Código Florestal e, inclusive, do VCM, baseadas em parcerias público-privadas. O crucial aqui seria a implementação paralela de políticas públicas em vários níveis de governo que equacionem problemas técnicos e reduzam progressivamente o risco privado, atraindo o crescente volume de capital filantrópico e financeiro interessado no componente ESG e em soluções baseadas na natureza, de forma complementar nas terras privadas.
A conclusão, mais do que o ponto aparentemente óbvio, mas importante, de que o VCM não é a única solucão para a conservação da Amazônia, é que o novo governo tem condições de implementar com urgência soluções efetivas e de longo alcance para atingir os compromissos climáticos internacionais do Brasil e a proteção da nossa última grande floresta. Afinal, o desmatamento desenfreado nos últimos anos, além de criminoso e moralmente repugnante, é hoje responsável por quase metade das emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil, além de fortemente associado ao processo de grilagem de terras públicas. Portanto, o importante agora é aproveitar o momento de arejamento das relações do governo do Brasil com a sociedade e com a comunidade internacional na questão do clima, implementando uma iniciativa como a aqui proposta como um primeiro, mas importante passo no caminho de um novo protagonismo na proteção tempestiva da Amazônia.
Izabella Teixeira é ex-ministra do Meio Ambiente.
Winston Fritsch foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Os dois são conselheiros eméritos do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
Artigo originalmente publicado no Valor Econômico no dia 31/01/2023 aqui.
Amazônia: soluções não só de
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